quarta-feira, 4 de julho de 2018

Aira




Durante as tardes de quinta-feira, Carla costumava caminhar com seu cachorro enquanto acompanhava a pequena Aira, sua filha de cinco anos, que andava em sua bicicleta rosa de rodinhas, pela rua pouco movimentada do novo bairro.

            Fazia pouco mais de uma semana que ela, o marido e a filha haviam chegado. Seu relacionamento nunca foi muito bem recebido pela família, uma vez que seu marido já havia cumprido pena por tráfico de drogas, mas ela, há muito, já não ouvia os pais. A ideia da mudança surgiu com propósito de viverem mais felizes longe da família exigente dela, e com isso, partiram para o interior.

            Aira, apesar de tudo, normalmente estava sempre alheia às brigas familiares e discussões que ocorriam o tempo todo. Carla notara que, desde seu nascimento, Aira não era uma criança muito comum, e mesmo não entendendo bem como sabia disso, ela sabia. Conforme os dias iam passando ela via coisas, Aira a olhava estranho, e vez ou outra, achava ter visto coisas ao redor da menina... sombras talvez.

            Apesar de todas essas coisas, sua psicóloga garantira para ela, que se tratava apenas do fruto de sua imaginação. Segundo a doutora, isso acontecia por conta do stress do primeiro filho em uma situação familiar tensa como a que vivia, ela deveria apenas repousar. Carla acabou parando de falar sobre tais coisas, pois sabia que não adiantaria.

            Mas as coisas, nunca pararam de acontecer.

            Ela sentia uma aura estranha ao redor da filha quando estavam sozinhas, certa vez, jurava ter vista as tais sombras “dançando” ao redor da menina sentada no centro do tapete da sala, e quando a chamou, Aira a encarou com os olhos puramente negros, e tudo isso durara uma fração de segundos. Tempo o suficiente para que seu marido, Henry, chegasse na sala com uma xícara de café na mão. Ele nunca viu nada de estranho na filha. Ao seu ver, ela era apenas mais uma criança normal fazendo travessuras com a mãe.

            Esse foi o motivo de Carla ter adotado um cachorro, assim ela já não ficava completamente sozinha com a menina. Ela tinha vergonha de admitir o medo de sua própria cria.

            Após uma volta no bairro, voltaram para casa para tomar um lanche da tarde, como de costume, enquanto Henry não chegava do trabalho.

            – Morango ou maracujá, querida? – Pergunta sem se virar, terminando os sanduíches.

            Aira, sentada na mesa distante colorindo um desenho que acabara de fazer, não levantou os olhos da folha.

            – Morango, mamãe – sua voz fina e doce, assustavam Carla, de certa forma. – Vou pendurar o desenho lá no quarto! – Ela levanta-se animada com o desenho em mãos, e corre para a escada sem esperar a resposta da mãe.

            – Tudo bem! – Ela grita alto da cozinha, sabendo que a menina já estava longe.

            Ao terminar de montar os sanduíches e fazer o suco, organiza as coisas todas sobre uma toalha quadriculada na mesa. Antes de chamar a filha para o lanche, decidiu colocar o cão para dentro de casa. O céu escurecia, dando sinais de que uma tempestade repentina e das grandes estava para chegar. Ela abre as portas de vidro e calmamente procura pelo cachorro, que não estava em sua casinha.

            – Lord? – Ela não o via. Carla caminhou pelo quintal procurando o animal. – Vamos, garoto, não é hora de brincadeira – dizia alto.

            “Onde você se meteu?”, pensava começando a ficar preocupada. Carla sabia que Lord não fugiria assim.

            Parou ao ouvir um grunhido curto e baixo que após alguns segundos se repetiu, ela correu na direção do barulho. E encontrou o Husky escondido no armário de ferramentas que ficava no quintal, debaixo de uma bancada. Respirou aliviada ao vê-lo bem.

            – Hey, o que aconteceu? – O acariciava em silêncio.

            Um trovão violento foi ouvido, e ela rapidamente pegou na coleira do animal o puxou na direção da casa, mas Lord começou a latir desesperado tentando correr na direção contrária, sem a menor vontade de entrar na casa. Por que aquele comportamento repentino? Ela não sabia. Não fazia ideia, e pensou que pudesse ser apenas um susto.

            Com muito esforço o puxou para dentro e fechou a porta, mas o cão não parava de latir e rosnar querendo sair da casa. Estranho. Um temporal forte começou a cair lá fora, com trovões violentos e raios brilhantes cortando os céus. Parada em frente a porta de vidro, vendo o cachorro desesperado, a chuva e a ventania forte lá fora, ela recebeu uma mensagem no celular. Era Henry.

            Avisando que, por conta da chuva inesperada, estava preso no trânsito e se atrasaria para voltar naquela tarde.

            No mesmo instante, Carla decidiu chamar a filha para ficar perto dela, apesar de tudo era apenas uma criança que poderia ficar realmente com medo de estar sozinha em um cômodo daquela casa tão grande, durante uma chuva tão forte.

            Ela deixou o celular sobre a estante da sala e se direcionou às escadas. Já no topo, no início do enorme corredor de quartos as luzes piscaram, e Carla decidiu buscar uma lanterna. Rapidamente desceu as escadas e no armário da sala, pegou uma das lanternas guardadas lá dentro e se pôs a subir novamente.

            No meio do trajeto, ao invés de as luzes deligarem de uma vez, começar a piscar incessantemente. O cão agora latia mais alto, com uma agressividade que ela nunca tinha visto Lord ter antes. As pernas bambeavam agora, no meio do corredor.

            Quando conseguiu finalmente chegar na última porta do corredor, pintada de rosa com desenhos de borboletas coloridas, as outras portas se abriram sozinhas e Carla congelara de medo. Elas batiam com violência.

            De uma vez, abriu a porta do quarto de Aira e o que viu a fez gritar. Estava apavorada de tal forma que não conseguia se mover. A lanterna caiu de sua mão e ela desabou de joelhos. Os olhos arregalados, as mãos frias e ela suava.

            A pequena menina estava sentada no chão, no centro do tapete rosa felpudo. A lâmpada piscava. As janelas abertas batiam com a força do misterioso vento que entrava, criando um círculo de folhas mortas e papéis. Formas sombrias giravam em torno dela. Aira levantou a cabeça que pendeu para o lado da porta, encarando a mãe com os olhos de tal negritude, que copiada o próprio vazio, sangue começava a escorrer de seus olhos.

            Carla gritou de horror e as luzes se apagaram de uma vez. Impressionantemente, o teto do quarto se desintegrava e ao olhar para cima, de sobressalto, o que viu se parecia com o centro de um tornado, mas um tornado estranhamente negro com centenas de formas escuras vagando, flutuando em círculos emitindo sussurros incompreensíveis. A menina começou a falar coisas desconexas, como que se entoasse um cântico em um idioma desconhecido, que nem deveria existir nesse mundo. Seu corpo se levantou do chão, ela não parava de repetir aquelas coisas. E abriu os braços.

            Um raio negro a acertou em cheio, com tamanha força que Carla foi arremessada para trás, sua vista embaçou e um zunido não saía de seus ouvidos pelo estrondo do impacto. Foi quando tudo escureceu. Tudo ficou silencioso.

            O cão já não latia. As luzes explodiram. O quarto da menina destruído completamente. E as sombras já não estavam mais lá. Apenas o corpo de Aira estirado no chão. Sem vida.

            Após um período imensurável de tempo, Carla abre os olhos, sentia dor por todo o corpo e não ousava se mover. Mais à frente, sobre o corpo de sua pequena filha, outra sombra surgia.

            Pequena. Densa. Etérea.

            Que parecia olhar diretamente para ela. Podendo olhar através dela.

            Carla sentia que algo estava sendo sugado dela. E seus olhos começaram a pesar, até se fecharem de uma vez.

            Aira nunca pertencera àquele mundo.

domingo, 1 de julho de 2018

A Sentinela - Prólogo

Verão de 1968. Dia calmo e ensolarado crianças se divertindo na rua, brincando com a água que saía do hidrante, jogando-a umas nas outras sem a menor preocupação, pessoas sentadas em suas varandas, com suas cadeiras de balanço, conversando sobre a dureza da vida adulta e da velhice, algumas estavam apenas fofocando sobre alguém, sem darem conta que aquela fofoca chegaria aos ouvidos do “fofocado”.
Conforme o dia se segue, as pessoas vão se recolhendo para suas residências, as mães vêm recolher os seus filhos e a roda de fofoca aos poucos ia se desfazendo.


Em poucas horas a noite iria rasgar os céus com sua escuridão assombrosa. Aquela rua cheia de vida e alegria iria se tornar algo sem vida e esperança, sem crianças brincando com a água, sem adultos conversando... A única coisa viva que restaria, era o silencio tenebroso que caminhava de mãos dadas com a noite vindoura.

A noite finalmente toma conta do céu diurno, trazendo consigo uma lua cheia e brilhante como pérolas, brilhava tanto, que não se podia comparar com a luminescência do sol infernal, trazendo um luar calmo e sereno, como um rio harmonioso. O silêncio daquela noite era algo assustador, nenhuma voz ressoava pelas ruas cheias de medo, mas com o tempo, o cantar dos ventos e a dança calorosa das árvores interrompia aquele clima silencioso, mas o silencio sempre voltava, carregando a atmosfera com medo e desilusão, fazendo aquela linda rua se tornar algo escuro e abissal.

Conforme a noite corria pelas águas do tempo. As pessoas começavam a se preocupar com algo, como sempre ocorria naquelas noites infernais, tal preocupação que as fazia ficar sem sono e sem esperança, trazendo um sentimento que só podia ser sentido por aqueles que contemplaram o próprio diabo em sua frente, fazendo-as esperar por algo que viria, mas não naquela noite.

Elas sentiam em seus ossos que aquela noite não seria como as outras, sentiam que seria mais perturbadora que as anteriores; tal sensação as obrigava a colocar seus filhos para dormir mais cedo; as crianças não entendiam o porquê daquilo, mas entendiam que seus pais estavam preocupados, que algo estava errado e que a única forma de ajudar era dormindo.

As horas foram passando e o silêncio aumentando, as pessoas já não estavam mais preocupadas, pois o sono as atacou de uma forma bárbara, a sensação de que algo iria acontecer havia passado.

Mas em uma casa velha, com madeiras já tão desgastadas e corroendo como um câncer corrói um corpo decadente de uma pessoa enferma, uma casa esquecida entre os arbustos e árvores com galhos retorcidos com formas de garras enegrecidas pelo tempo, casa essa, que pessoas da vizinhança evitavam entrar e passar em frente, pois os antigos a construíram num lugar que não podiam, um lugar cujas almas dos tristes e oprimidos dormem em eterna paz com o cosmo além da nossa realidade, um lugar que antes se tornara um abismo para aqueles que se desvencilhavam do caminho abençoado, cujas lápides, tão pontudas e aterrorizantes, traziam alegria ao lugar, deixando certo tom de beleza suave entre os cadáveres moribundos e cheios de vermes, vermes que os corroem e os penetram como um violentador, comendo sua carne podre e seus ossos corroídos como uma madeira velha, tornando um corpo morto, bem vestido e com esperanças em ir ao paraíso, em um algo mal cheiroso, esburacado com profundidade suficiente para ir ao abismo que os circundam tornando frágeis aqueles ossos antes tão fortes e saudáveis, que no final só restara uma pilha de cinzas mal cheirosas e esquecidas pelo tempo.

Aquele lugar sempre escuro e decadente não poderia ser derrubado, pois os mortos não estão cravados em seu solo.

Mas um dia uma família com pouca condição financeira se mudou para o local, cheios de esperanças de construir um novo lugar encima daquele abismo de pessimismo. Construíram uma casa magnifica e viva, com jardins floridos com as mais belas rosas de toda a região que exalavam um cheiro doce e ao mesmo tempo relaxante aos que se aproximavam, um jardim que circulava a casa inteira, a deixando vermelha como o sangue que corre em nossas veias. Na parte da frente fizeram uma ponte no solo, que corria desde a calçada, até as escadas que faziam sua transição do jardim para a casa. Uma grama verde fora colocada em frente a casa, a tornando verde e incrivelmente viva, uma grama fina e baixa, com insetos e vida microscópica exalando entre suas folhas verdes e serpenteadas. Plantaram duas arvores frutíferas, uma macieira e uma bananeira, uma combinação entre o vermelho escuro do pecado e o amarelo exalante que pairava do glorioso sol, criando assim um aroma único, união entre pecado e perfeição, harmoniosos entre si, fazendo aquela casa se tornar perfumada e sempre cheirosa. Pintaram-na do mais belo azul oceânico, uma cor tão profunda que nem o próprio abismo poderia ser comparado com ela, uma profundidade azulada, que representava fielmente a obscuridade oceânica, fazendo-a desaparecer a noite. Colocaram janelas circulares e extensas, parecendo assim olhos de vidro que vigiavam a vizinhança, janelas que seguiam com suas pupilas escurecidas cada pessoa que ousasse passar por ali, um vidro feito da mais pura harmonia entre o fogo do inferno e a matéria-prima mais pura de toda terra ensanguentada. Colocaram telhas vermelhas como se um coração explodisse em seu meio e vazasse para os lados, assim formando uma chuva que pintava aquelas telhas, caindo sangue avermelhado delas que se fundiam com as rosas abaixo de si. Colocaram cercas em volta da casa para que ninguém ousasse entrar na residência. Cercas tão altas que se pareciam com estacas cravadas no solo, fincadas com tanta violência e frieza que o solo estremeceu, tão altas e grossas, que podiam ser vistas de longe, quase podendo chegar aos céus azulados e esbranquiçados. Pintaram de azul, assim se tornando um com a casa já azulada, quando chegava o anoitecer, a casa desaparecia em seu próprio abismo oceânico, formando um elo de alegria entre seus moradores e um elo de raiva, desgosto e vergonha dos outros vizinhos.

Uma família de três pessoas e um pássaro: Pai, Mãe e filha. Pai que perdera seu emprego devido ao seu agonizante distúrbio mental critico, atacara o próprio chefe com um caco de vidro que pegara após jogar uma cadeira em sua janela, um vidro tão pontiagudo que poderia penetrar as escamas dos mais ferozes dragões de toda a idade média. Após esse ápice de loucura, ele fora despedido e rechaçado de seu serviço, assim perdendo sua carreira promissora como advogado, perdendo tudo que tinha, não conseguiu pagar as contas e a última parcela de sua casa, entrou em depressão profunda, chegando a se enforcar no quarto de sua filha que chegou em tempo para salvá-lo.

Vendo o que seu esposo se tornara, Felipa, sua esposa, toma a frente e sai à procura de um emprego e sustento, tanto para seu companheiro, quanto para sua filha, procurando incessantemente por um trabalho que pagasse bem. Finalmente encontra um emprego, um salário bom, horas de serviço bem reduzidas e sem tempo extra no serviço, mas com uma condição, eles teriam que se mudar para o interior, uma cidadezinha perto da costa, com um penhasco tão alto que se podia comparar com uma cratera, chegando a ter 19 metros de profundidade. Filipa aceita a proposta e se mudam, constroem sua bela casa e vivem felizes como uma família. Até que uma noite, diferente das outras, algo estranho acontece...
Quando Kate filha de Filipa era criança, presenciou algo muito estranho e perturbador para os seus pequeninos olhos infantis: uma criatura assustadora, grande em sua estatura e pesada como ferro retorcido em brasa, com uma aura negra e densa que o envolvia o corpo inteiro como algo que saiu das profundezas do próprio inferno abissal, usando uma mordaça em sua boca poluída por uma raiva feroz que emanava de sua garganta, emitindo grunhidos de sua boca cheia de dentes retorcidos e podres, afiados e pontiagudos como uma espada divina em forma de quarenta dentes monstruosos e mortíferos, envoltos de uma saliva venenosa que ao primeiro toque, apodreceria sua pele. Congelada de terror Kate urina de tanto medo, vendo aquela coisa a observando de longe, a encarando com olhos vermelhos vinho, cheios de raiva e agonia, escorrendo lágrimas do mais puro sangue, fitando-a com desejo, com pensamentos obscuros que nem o mais perturbador dos monstros poderia pensar. Parada ali, observando, esperando por algo, como uma... SENTINELA.

Kate não podia ver o que estava além da mordaça, pois o rosto da coisa estava envolto com a mesma e estava escuro, assim dificultando a sua visão. Após observar Kate, aquela coisa começa a se mover em sua direção, com passadas pesadas o suficiente para esmagar um crânio feito de titânio. A cada passo o chão estremecia. Cada passo deixando um buraco no chão. Um passo... Dois passos... Três passos... Quatro passos. Até que no último passo, Kate pega seu cobertor e se cobre, envolvendo todo o seu corpo com seu lençol branco, mas amarelado e fedido, pois Kate urinou-se de tanto medo. Ligando sua lanterna com forma de borboleta, a mexendo para lá e para cá, fazendo sua sombra projetada dançar por dentro do cobertor, de tanto medo começou a cantar, uma canção confusa e complexa para uma criança, uma canção que emanava do abismo daquela noite: “
Condenando todos ao inferno pelos seus pecados, purificando-os com seu fogo eterno, sedenta por vingança, a justiça te caçará até os confins da morte, não tenham medo jovens crianças, não temam o amanhã, pois o horizonte é brilhante...”. Terminando sua canção, Kate começa a chorar e todas as suas esperanças se vão pelo seu rio de lágrimas escorrido em seu rosto.

Quando a coisa se aproxima da cama, para subitamente, ainda observando a criança cantar e chorar perante sua presença, vislumbrando isso, solta um grito aterrorizante, agonizante e acolhedor, um grito saído das profundezas de sua garganta sangrenta, um grito sofredor, estalando em sua boca cheia de dentes mortíferos e venenosos, gritando em tom de sufocamento, como se algo a apertasse o ventre. Em tom de agonia, a coisa move sua mão direita em direção ao seu resto, uma mão apodrecida e esquelética, dando vista de seus buracos perfurados pelos vermes que o infestam e tornam seu fedor intenso, colocando sua mão devagar em seu rosto pútrido, retira sua mordaça enferrujada e retorcida, e a pendura na cabeceira da cama de Kate, assim revelando seu rosto desforme, mas a criança não teve tal privilégio de vê-lo, pois estava debaixo do lençol. 

Após a coisa parar de gritar com sua voz de agonia, Kate percebe que ela foi embora, ao abaixar seu cobertor, enxuga seus olhos e vislumbra o quarto escuro e sem nada aterrador que pudesse atormentá-la. Ela apenas desliga sua lanterna infantil, deita-se, fecha os olhos lentamente e dorme, como se nada tivesse ocorrido.

Após dormir por quatro longas horas, Kate acorda repentinamente com um barulho vindo do quarto de seus pais, levantando lentamente e coçando os olhos sonolentos, ela se questiona “
que barulho é esse?” Levanta-se, calça suas pantufas de borboletas, e anda em direção ao quarto de seus pais, caminhando pelo corredor que parecia mais profundo e distante a cada passo, Kate começa a sentir um cheiro estranho, como se alguém tivesse vomitado e feito excrementos ao mesmo tempo, após sentir esse cheiro de desesperança ela começa a correr, mas quanto mais se aproximava do quarto de seus pais, mais o corredor se alongava, até que finalmente chega, e o que vê a deixa pasma e esbranquiçada, uma visão que poucas pessoas pretendem ver na vida... Uma visão de morte...

Lá, deitados, jaziam os corpos de seus pais, destroçados e retalhados, cortados pedacinho a pedacinho e postos em forma humanoide na cama. Seu pai estava com um semblante de dor e agonia, com sua boca aberta como se fosse gritar, mas já não podia, pois estavam mortos, seus braços e pernas, órgãos, cabeça estavam todos cortados de uma forma cruel, do jeito que só um monstro sem coração poderia fazer, cortados e postos de forma não humana, braços foram parar no lugar da cabeça formando a letra ípsilon, suas pernas foram parar na barriga de tal forma que ficaria estendida, sua cabeça fora parar onde ficava seu braço direito, seus olhos foram parar onde ficavam os pés e seu coração ainda pulsante fora parar em sua boca, batendo e batendo, assim mostrando onde a vida de seu pai fora parar e terminar.
Decadente e agora ausente.

Sua mãe foi menos brutalizada, morreu de uma forma peculiar, seca, tornando-se uma casca vazia, com sua cabeça despedaça e espalhada pelo quarto, parecia que algo a fez estourar, assim derramando seu sangue por todo quarto, que antes era um verde esbranquiçado, agora se torna o mais puro e profundo vermelho que já existiu, formando uma possa no chão, espessa e pegajosa. Kate não acreditando no que estava vendo começa a chorar e fica imóvel ali por algum tempo, parando de chorar e olhando de novo aquela cena aterradora. Começa a rir, achando que aquilo é só uma brincadeira boba de seus pais, ela sobe na cama, deita-se e continua a sorrir insanamente, pega o braço seco de usa mãe e o envolve em seu ombro, vira-se para o lado de seu pai e o fita, dizendo: Quando eu acordar eles estarão bem, fazendo o meu lanche do café da manhã. Né Papai?

Então ela pega no sono, em meio aquela cena caótica que a rodeava. Ela dorme, em seu abismo profundo que lhe fazia feliz e sonhar.



- Escrito por Kevin Ferreira

sexta-feira, 29 de junho de 2018

A Casa ao Lado - O final




    Nem todos os tipos de pessoas levantam suspeitas sobre alguma coisa. Ninguém suspeitaria de um cara bonito, na faixa dos vinte ou trinta anos, bem vestido e boa pinta. Mas qualquer um que observasse uma pessoa dessas vivendo só em uma casa pouco cuidada e que dirige um carro velho e enferrujado, suspeitaria de algo. Porém, nem todos naquele bairro observavam tão bem quanto a jovem Emily.

    Ela queria descobrir de uma vez o que o homem fazia naquela casa, mas não podia tentar fazer isso usando uma aproximação casual. Sentia ser perigoso de mais.

    Emily permaneceu observando do jeito que estava fazendo e no dia seguinte, um sábado ensolarado, ela levou o cachorro para passear novamente. Sua tia estava ficando animada com aquilo, apesar de achar estranho. Ela sempre deixava a estranheza de lado quando pensava que a pequena sobrinha poderia estar apenas desenvolvendo algum afeto pelo animal de estimação. Sendo isso ou não, ainda era muito cedo para ter certeza de qualquer coisa.

      Sendo 15:40 da tarde, Emily sabia que o vizinho não estaria em casa e aproveitando que quase ninguém estava na rua naquele horário, ela decidiu se aproximar um pouco mais da janela que dava vista para a sala de estar repleta de cadeiras estranhas.

    Pôs-se então, a caminhar lentamente pelo gramado do vizinho, sentindo, a cada passo, uma tensão florescer. O cão passou a andar mais cautelosamente um pouco mais a frente dela.

    Ao estar perto o suficiente da janela para tocá-la, a adolescente observou com fervor a sala de decoração rústica e simples. As cadeiras eram mais estranhas ainda vistas de perto. Dispostas irregularmente pela sala, deixava o ambiente levemente sombrio. Quando o cão recuou e começou a latir para a janela, ela achou melhor voltar antes que alguém a visse.

    Ela deu meia volta a tempo de chegar na porta de casa no instante em que vira o carro do vizinho dobrar a esquina para voltar a casa. Emily estranhou. Passara tanto tempo assim observando a sala?

    Já passava das sete da noite e a jovem se encontrava sentada em sua cama analisando seu quadro de informações. Ela nunca descobriria o que acontecia na casa ao lado se ficasse apenas olhando. Precisava encontrar uma forma de entrar. O vizinho parecia ser muito gente boa, então, se simplesmente fizesse papel de criança sem ter o que fazer ele poderia chamá-la para um chá. Parece que teria que usar a aproximação casual de qualquer forma. Mas tentaria isso no dia seguinte. Estava um pouco tarde para investir.

    (...)

    Domingo, três da tarde em ponto.

    Depois que o vizinho a encontrara olhando através de sua janela, realmente a convidara para um chá com biscoitos, movida a curiosidade, ela aceitou de pronto.

    Ao entrar na casa sendo seguida pelo homem, que agora tinha um nome o qual poderia chamá-lo: Richard; Emily sentiu-se tensa quando entrou na sala. O homem pediu que aguardasse na sala para que ele pudesse buscar as coisas, ela então, sentou-se no sofá de couro preto e colocou-se a observar mais ainda. Seus olhos de falcão passavam por todo o cômodo, guardando o máximo de informações que conseguisse.

    – Desculpe, fazê-la esperar – Richard chegara sorrindo, carregando uma bandeja cheia de coisas que deixou sobre a mesa de centro. – Não sabia de qual chá gostava então trouxe três. Qual prefere?

    – Camomila. – Emily sempre contida e desconfiada.

    Ele então serviu-a e em seguida encheu uma xícara de café preto para si, finalmente acomodando-se em sua poltrona. Emily notara o nível de sua calmaria.

    – Você não é muito de conversar, não é mesmo?

    – Não.

    – Certo. Eu era como você na infância. – Comentou. – Tem muitos amigos no colégio?

    – Eu não frequento a escola.

    Emily tomou um gole de seu chá e calou-se. Um momento de silêncio se fez presente. Richard pousou a xícara agora vazia sobre a bandeja na mesa de centro.

    – Sabe, Emily, eu percebi que anda a observar-me – a jovem fitou-o. – Sabe, eu não gosto nenhum pouco de ser observado obsessivamente como você vem fazendo faz seis meses. – Ele suspirou. – Eu tenho muito problema com isso. Vou te contar uma história: houve um tempo em que eu fui noivo de uma moça e tinha uma mulher no meu trabalho que era louca por mim e por isso me observava muito. Um dia ela me atacou no trabalho e eu acabei traindo a minha noiva, mas então pensei "se ninguém souber, nada acontece". Eu sumi com ela. E realmente funcionou muito bem, até uma segurança achar o momento todo registrado em um vídeo de uma câmera de segurança, ela ia espalhar sobre isso então tive que dar um jeito também. E tudo estava indo bem de novo, sabe? Mas aí algumas pessoas começaram a descobrir outras coisas sobre mim e eu precisei agir novamente.

    Richard levantou-se e colocou-se a andar em círculos pela sala. Emily permanecia quieta, sua mente estava a mil. "O que ele fez com essas pessoas?".

    – A minha família acabou descobrindo sobre as coisas que eu fiz e eu tive que consertar a situação. – Richard gesticulava muito enquanto falava. Um brilho estranho nublava seu olhar.

    – Eu tenho que ir para casa – Emily deixou a xícara na bandeja e levantou-se afim de sair dali.

    – Eu mudei de cidade, Emily, e descobri uma nova forma de arte – ele impedia que ela saísse apenas com um olhar, Emily sentou-se novamente. – Eu mesmo fiz estas cadeiras se isso te causa tanta intriga.

    Ele passou as mãos levemente sobre o encosto de uma das cadeiras. A adolescente passou a encaixar as peças do quebra-cabeça.

    – Eu busco o material necessário a cada duas semanas em um lugar que não posso falar muito sobre. – Ele sorriu para ela. – Eu gostaria muito de tê-la conosco, Emily. Você é belo material.

    O sorriso de Richard tornara-se tão sombrio quanto doentio e de uma única vez tudo passou a fazer sentido para a jovem Emily. Ela mal pensou ao pegar a faca de pão da bandeja e enfiá-la no sofá repetidas vezes para então puxar com desespero o forro do mesmo. Richard sorria observando a adolescente finalmente entendendo o que acontecia ali.

    Emily quase caiu para trás quando abriu um buraco no sofá. Seu coração batia tão rápido que ela sentia-se tonta.

    Sob o forro do sofá de couro, escondido pelo enchimento fofo haviam ossos.

    Ossos humanos emendados formando o esqueleto do sofá inteiro. Sem ao menos pensar direito, correu e arrancou o estofado de uma das cadeiras próximas e encontrou a mesma coisa. Ossos.

    Tudo fazia sentido agora. Ele realmente não buscava ração toda semana, ele encomendava corpos. Os sacos de lixo malcheiroso estavam cheios de couro e pele humana que ele descartava, já o churrasco...

    Emily sentia o estômago revirar.

    Ela levantou e correu para a porta, mas antes que pudesse abri-la, Richard a segurou por trás. Ela tentou gritar, mas ele tapou-lhe a boca. Tudo que podia ouvir eram os latidos do cachorro do outro lado da porta trancada. Emily foi arrastada para o porão da casa e depois de ver todas aquelas ferramentas e restos dos corpos usados na confecção das cadeiras e provavelmente todos os móveis da casa, tudo ficou escuro.

    (...)

    Emily estava sumida por mais de três meses quando vários indícios e algumas poucas testemunhas levaram a polícia até a casa do vizinho Richard. Nada teria sido encontrado se o cachorro não se recusasse a sair do lado de uma cadeira bonita e decorada em tons de azul e cinza.

    Dentro da casa foram encontradas mais de 50 ossadas de pessoas diferentes, transformados em móveis, principalmente cadeiras. Inclusive, a família dele. Além disso, outras peças produzidas por ele foram encontradas em muitos outros lugares da cidade.

    Richard foi condenado à pena de morte pelo assassinato de mais 90 pessoas.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

O lugar de onde eu vim


Tudo aqui parece-me tão peculiar.
Um lugar que possui uma beleza do qual eu nunca fui privilegiado a observar antes. Um lugar onde tudo é tão singelo e tão... efêmero, que passa a ter uma beleza extraordinária, aos meus olhos.
            Tantas coisas dos quais eu gostaria de poder vivenciar, tal como os seres tão simples e de intelecto tão limitado; que sobrevivem deste lugar. E apesar de tudo isso, eles são os verdadeiros sortudos na história, vivendo alheios ao que está sua volta.
            Alheios ao que “vem antes” e ao que vem “depois”. Eles mal conhecem e entendem as coisas como elas realmente são, preocupam-se apenas com que acham que deve receber tamanha atenção. Contas, dinheiro, suas crias. Eles crescem sendo induzidos a se importar apenas com o que seus semelhantes mais antigos impuseram sobre sua sociedade, com seus olhos voltados apenas para um único lugar e os pés sempre no chão. Eles crescem com o único propósito biológico de procriar, dando importância de mais para os ganhos financeiros. Eles não olham para o além. Eles têm medo do que podem encontrar no ao redor. São singelos, e efêmeros.
            Às vezes me pego pensando no que eles fariam ou o que aconteceria com seu psicológico se soubessem sobre o lugar de onde eu vim.
            Um lugar onde o “nada” nunca foi tão, literalmente, assustador.
            Onde a esperança deixa de existir. A maldade não sobrevive, mas que também não existe um bem. Não há luz e nem escuridão. Onde o tempo não existe.
            O lugar do qual me refiro vai contra tudo o que os humanos acreditam. Eles de nada sabem. De nada entendem.
            Nunca houve o tal paraíso e muito menos um inferno. Apenas um vasto espaço ao qual nada se parece. Nenhum som. Nenhum cheiro. Nenhuma sensação.
            Lá, somos apenas nós e nossa consciência. Buscando algo que nunca poderemos encontrar, refletindo sobre tudo o que um dia já pudemos viver. Entendendo a nossa própria existência.
            Há muito, vago por aquele lugar, já estava ao ponto de perder o que ainda me restava da sanidade, até que cruzei o que Os Que Vieram Antes e Depois de Mim tanto buscaram: a fronteira.
            O lugar que separa o Nada do Tudo. De onde tive acesso a tudo que existe e já existiu. O que me salvou de enlouquecer e me tornar uma sombra, fazendo parte daquele lugar repugnante, manchado de loucura.
            Eu estive em todo lugar. Eu estou em todo lugar. Observando tudo o que vem e o que vai. Tudo o que deixou de existir e ainda existirá.
            Vaguei tanto pelo Nada, que minhas noções de tempo, espaço e existência já não são mais a mesma. Tão manchado e perdido que não sei mais o que eu fui. Um humano, um animal, um ser místico. Eu posso ter existido em todo lugar. Posso ter vindo de toda e qualquer realidade e dimensão. Eu posso ter sido tudo o que existe e deixou de existir assim como também posso ser tudo o que foi, é e será.
            Não há um ser supremo e também não sou um ser supremo, pois nada crio ou transformo. Tudo que faço é observar.
            Eu vi tudo o que todo ser humano fez e é. Eu conheço todas as suas mais infinitas versões nas mais infinitas realidades e dimensões.
            Se há uma coisa que posso afirmar é que não existe um real sentido em tudo isso. Não há uma razão, um ser supremo e nem mesmo uma unidade de tempo de verdade.
            E mesmo que no Tudo hajam formas de vidas e existências diferentes, no final o Tudo, ainda assim, é como o Nada.
            E todos nós nos perderemos no vazio e em todo lugar.
            Isso se eu não for toda forma de vida.

domingo, 24 de junho de 2018

A Casa Ao Lado (parte 1)




Emily havia mudado-se para um dos bairros mais tranquilos da cidade. Quase nada acontecia por ali, era quase um lugar de velhinhos, não que não houvessem alguns jovens também.

Ela era mais uma adolescente, cerca de 15 anos apenas. O que a levara até ali era, de fato, um trágico acontecimento: ela havia perdido os pais. Um acidente de carro.

Desde aquilo, ela não era mais a mesma Emily de antes. Filha única do falecido casal, não costumava conversar. Não socializava. Nem ia a escola. A jovem se isolava cada vez mais do mundo, a cada dia que passava, mais ela se distanciava da família. A casa no qual agora moraria, era de sua tia que tinha filhos gêmeos que preferiam não incomodar a prima recém-chegada, pois sabiam pelo que ela havia passado.

Seis meses se passaram então. E a garota agora só saía do quarto para usar o banheiro, a tia levava-lhe as refeições pois Emily não mais descia para comer. Ela estava preocupada com a sobrinha. Talvez a adolescente fosse, realmente, precisar de acompanhamento psicológico. Ela parecia estar em depressão.

Mas não era bem isso o que acontecia.

Emily havia descoberto um novo hobbie. Espionar o vizinho da casa ao lado pela janela do quarto. Havia algo de errado com ele e com aquela casa, e a jovem, para distrair-se de sua perda, tentava descobrir o que era. Fazia diversas anotações e também montara um quadro onde tentava ligar os fatos que tinha em mãos.

Duas vezes por semana, por exemplo, o vizinho saía de carro e voltava horas depois. Ele parava o carro na frente da casa e transportava sempre dois enormes sacos de ração para cachorro, para dentro da casa. Seria normal.

Mas Emily sabia que ele não tinha animais de estimação. E não parecia pretender ter algum. Mais estranho do que isso ainda, era que uma vez por semana o vizinho levava um grande saco de lixo preto para fora da casa, o saco sempre emanava um cheiro forte de algum produto de limpeza e mais alguma coisa que ela não conseguia discernir. E depois disso fazia um churrasco sozinho.

Em seis meses de observação, Emily ficava cada dia mais intrigada com tudo aquilo.

"O que esse homem faz?", era o que sempre se perguntava, porém, nunca encontrava uma resposta.

Naquela tarde agradável de sexta-feira, sua tia pediu que ela levasse o cachorro para um passeio (em uma tentativa de tirar a sobrinha do quarto). Emily pensara imediatamente no vizinho, passear com o cachorro seria a desculpa perfeita para analisar a casa direito, afinal, ela não tinha uma boa vista para as janelas da frente, apenas para uma de um corredor sempre escuro.

Andando com o cachorro pela calçada, depois de aceitar tudo aquilo, ela sabia que naquele dia o vizinho sairia para voltar com os grandes pacotes de ração apenas às 16:30h. Faltavam cinco minutos para que ele pegasse o carro e saísse e, sentada na calçada fazendo carinho em seu cão, ela esperou.

14h.

O vizinho abriu a porta para pegar o carro e acenou sorridente para a jovem que apenas levantou a mão em resposta. Assim que ele sumiu de sua vista, Emily caminhou vagarosamente com o cão até a frente da casa dele. Ela notou que ele possuía muitas cadeiras. Cadeiras em vários tamanhos e formas. Isso era estranho.

Intrigada. Voltou para cara e foi logo anotar sobre sua descoberta enquanto aguardava a hora em que ele voltava.

(...)

16:30.


O carro velho e enferrujado estacionou em frente à casa ao lado. Com um binóculo que pegara de seu primo, ela se posicionou e observou-o pegar um dos sacos e jogar sobre o ombro direito.

O saco de ração estava disforme. Não parecia nem um pouco haver ração ali dentro. Havia outra coisa.

E ela descobriria de alguma forma.