quarta-feira, 16 de setembro de 2015

O Homem da Jaqueta Amarela

"Toda vez que eu passava por aquela avenida à caminho do colégio, avistava um homem usando uma jaqueta amarela desbotada. Ele estava sempre lá. Incansavelmente, observando-me. Podia sentir seu olhar sempre em mim quando passava por ali, e sempre que me dava conta disso, sentia um frio percorrer meu corpo. Eu nunca soube o que ele tanto fazia me observando, nunca soube quem era aquele homem ou porque estava ali.
Mas me lembro de que tudo começou a um mês atrás, eu passava pela avenida e, como sempre, ele observava uma outra garota, naquele fatídico dia a garota se encontrava muito distraída falando ao telefone. Ela caminhava sem prestar atenção na movimentação dos carros que passavam apressados por ali. A garota ia atravessando a rua sem olhar direito no mesmo instante em que um ônibus se aproximava velozmente.
Ela foi acertada em cheio e jogada para longe do local da colisão com o automóvel. E como a sociedade é cheia de pessoas curiosas com os acontecimentos alheios, não levou muito tempo para se formar uma roda de gente em volta do corpo. A ambulância foi chamada. A família foi contatada. E a polícia isolou o local. Naquele dia. Naquele trágico dia, o mesmo homem olhava na direção do corpo. Imóvel. Indiferente. E vazio. Depois de algum tempo me observou e saiu andando, eu logo o perdi de vista. Foi como se houvesse desaparecido, assim tão repentinamente.
Desde então comecei a pensar em coisas que podem ser consideradas absurdas para muitas pessoas. Se aquele homem observava aquela garota à muito, poderia ser que tivesse observado muitas outras pessoas. E foi com essa ideia em mente que comecei a pesquisar sobre todos os fatais acidentes naquela avenida e locais próximos a ela. Encontrei fotos, vídeos amadores, matérias de blogs e reportagens, e verificando tudo isso eu vi. Aquele mesmo homem de jaqueta amarela. Observando.
Minha conclusão absurda foi que, talvez esse homem pudesse ser um enviado da própria Morte. Encarregado de chegar nos últimos dias de vida das pessoas. Um aviso claro do que estará por vir, se as pessoas se quer o notassem.
Sim, eu sei. Não há como acreditar nisso, e nem como provar se estou certa ou errada. Mas, o verdadeiro propósito deste registro é fazer com que todos que virão depois de mim o percebam. E se pudermos evitar a morte? E se, evitando o homem de jaqueta amarela, conseguíssemos viver muito mais? E se todas as respostas que procuramos pudessem ser esclarecidas por este "enviado da morte"?
São muitos "e se" para se escrever. Só espero que esta nota seja levada em consideração para alguma coisa."
O homem da jaqueta amarela, ainda segurava o caderno parcialmente queimado, terminando de ler o que estava escrito.
Um pouco mais distante, a casa completamente destruída pelo fogo da noite passada se destacava na vizinhança, estranhamente intacta. Não, ele não provocou o incêndio, apenas estava ali para fazer seu trabalho: levar as almas dos que morreram para um lugar onde pudessem ficar seguras e tranquilas.
Ao terminar de ler a última página do diário, guardou-o dentro da jaqueta. As conclusões da jovem garota não deviam ser encontrados por outros. Ele sabia melhor do ninguém que se encontrassem, mesmo que ninguém acreditasse a princípio, levaria dúvidas até nos mais céticos. Causaria discórdia, confusão e guerras civis que logo envolveriam coisas muito maiores, e era seu trabalho não deixar que nada daquilo ocorresse.
Ele caminhou lenta e calmamente até as almas daquela família, segurou com delicadeza e cuidado cada uma das esferas azuis flutuantes e as guardou dentro do pequeno saco feito de linho, colocou-o dentro da jaqueta e caminhou para longe dali. Desaparecendo entre as pessoas que chegavam, indo para longe. Para buscar as próximas almas.