sábado, 12 de março de 2016

Corredores



Já era o quarto mês que você completava de internação naquele hospital. Mas qual era mesmo o motivo de estar ali? Ah, sim, o câncer no cérebro. Já estava em estado muito avançado. A três semanas o tratamento começou a perder o efeito. Era mesmo o fim? Você ainda possuía suas dúvidas. A ficha ainda não caiu, não é mesmo?

Você já não falava, estava difícil comandar os próprios movimentos. Até focar sua visão se tornava, a cada dia, uma missão difícil. Às vezes até pensava ver coisas, seu médico vivia dizendo que eram apenas ilusões, estava delirando, praticamente perdendo o controle de sua mente. Mas suas visões pareciam tão reais, não é? Via pessoas a sua volta durante a noite, não diziam nada, apenas o encaravam com aqueles olhos vazios, como se não tivessem almas. Sim, você sabe do que estou falando. Essas pessoas, que também se levantavam de debaixo de sua cama, eram seus pesadelos. Seu delas era muito grande, mas não conseguia se virar na cama para não ver, nem ao menos fechar os olhos, sempre que aquilo ocorria era como se seu corpo congelasse completamente. Ah, claro, eu vi tudo isso acontecer. Eu sei o que você sentiu. Estou ao seu lado à tempo suficiente para te conhecer, pelo menos um pouco.

Você foi avisado sobre com antecedência sobre a morte de seu corpo físico, que ocorreria na tarde seguinte. As células cancerígenas se espalhariam através de suas veias e um grande tumor atacaria seu coração, você iria sofrer muito com a dor até não aguentar mais. Com o aviso também foi informado de que quem iria decidir se você iria para o paraíso ou para um lugar semelhante à imagem de inferno que muitas pessoas têm em mente; não seria ninguém além de você. Seu destino na pós-vida, dependeria apenas de você.

Lembro-me de que você ficou muito confuso. Não entendeu nada do que lhe foi passado. Mas logo entenderia. Na manhã seguinte, contou ao seu médico e a seus pais sobre a conversa que teve com aquela entidade até então desconhecida por você. Seus pais choraram no corredor do hospital ao ouvirem do profissional que você estava delirando. Seus irmãos, nem ao menos apareceram para lhe ver em seus últimos momentos. Você morreu com sua mãe agarrando-lhe a mão esquerda, seu pai não estava no quarto naquele instante, pois saiu para comprar algo para sua mãe, que mal se alimentava. Enquanto fechava os olhos aos poucos com a vista embaçada, a última coisa que viu naquela vida, foi a imagem de sua mãe se debruçando sobre seu corpo imóvel na cama, chorava desesperada enquanto chamava seu nome e dizia o quanto o amava.

Eu estava lá quando acordou naquela sala mal iluminada por um lampião bem a sua frente no chão frio. As paredes aparentavam ser de cimento, pela coloração cinza, o chão era da mesma forma e ainda assim, muito desconfortável.

Você se levantou, tateando o próprio corpo.

Eu... Estou morto?

Seus olhos aflitos logo observaram à abertura a frente, um espaço para um porta, mas não havia nenhuma porta ali, apenas o buraco. Você podia ver mais a frente, estava um breu total de tanta escuridão. Aquilo aparentava ser um corredor. E se era um corredor, com toda certeza o levaria para algum lugar.

Você encarou o lampião a seus pés e não demorou a segurar sua alça. Com apenas isso, deu lentos passos na direção da escuridão. O brilho que o fogo lhe concedia, não era o suficiente para enxergar muito longe, mas entre andar ali no escuro e andar ali com luminosidade mínima, a segunda opção foi muito mais atrativa para você, sabe? Cinco passos a frente da estanha sala, o som de tijolos se movendo o assustou fazendo com que se virasse de sobressalto e corresse naquela direção, mas ao chegar perto, tudo o que viu foi uma parede de tijolos alaranjados que não estavam ali antes. A sala de onde você tinha saído deixara de existir.

Eu vi você se virar, respirar fundo e continuar na direção que estava antes de assustar.

Como aquele corredor era enorme. Era apertado e muito longo. Você se perguntou o caminho inteiro onde estava mas não fazia a mínima ideia.

Você continuou seu caminho até tropeçar em algo e cair rolando por uma escada. Deve ter doído, certo? Mas mesmo assim, você tomou o lampião em suas mãos e continuou caminhando. A dor não se fazia presente e eu pude ver o quanto você ficou feliz por isso já que sofreu tanto em sua vida.

Mais a frente você viu mais degraus. Era uma escada que descia ainda mais, a escuridão estava começando a te atormentar, naquele instante você começou a se lembrar das coisas que via no hospital. Que horrível, não?

Havia mais um corredor a frente, e depois de mais alguns passos você se viu em uma encruzilhada. Havia dois caminhos para lados opostos. O que faria? Vi sua indecisão. E você escolheu ir pela esquerda.

Mas que péssima escolha! Quinze passos à frente e você ouviu o som de passos caminhando atrás de si. E você parou para ouvir, mas quando os passos começaram a ficarem mais rápido você começou a correr. Correu como se não houvesse amanhã e os passos, cada vez mais próximos, ficaram mais parecidos com cascos. Oh, parece que as coisas ficaram feias para o seu lado.

Além de passos você também ouvia algo raspando nas paredes e o relinchar de algum animal. Os corredores deixaram de ser em linha reta e agora pareciam estar em círculos. Você notou nas paredes as marcas de arranhões profundos e não prestou atenção nos próprios pés.

Você caiu. O lampião foi parar longe e perto dele você viu os cascos. Começando a ficar lentos. Podia ouvir aquilo respirando rápido e fazendo ruídos horríveis.

Aquela foi uma das quinhentas e vinte e cinco vezes que nós nos vimos.

E o engraçado é que você sempre correu de mim. Sem ao menos saber... Que sempre estive te observando.

Eu estou muito mais perto do que imagina.